Um olhar sobre a beleza do Alcorão
OAlcorão foi oralmente revelado a Maomé, através do Arcanjo Gabriel, por Deus Todo-Poderoso, o Criador da Terra e dos céus, gradualmente ao longo de um período de 23 anos. Começou por volta de 609 d.C., quando Maomé tinha 40 anos, e terminou em 632 d.C., o ano da sua morte. O Alcorão foi memorizado com precisão, rigorosamenterecitado e escrito pelos companheiros de Maomé, que ditava cada revelação assim que esta ocorria. O Alcorão descreve este processo como uma responsabilidade divina (Alcorão, 75:16-19). Pouco depois da morte de Maomé, oAlcorão foi compilado num único livro por ordem do primeiro califa Abu Bakr, por sugestão do seu futuro sucessor, Umar. A única cópia em papel do Alcorão foi confiada a Hafsa, que era a viúva de Maomé e filha de Umar e se tornou sua guardiã. Mas numa cultura oral, esta coletânea da escritura sagrada implicava igualmente a memorização do livro divino. Nessa época, muitos companheiros haviam memorizado oAlcorão oralmente, tal como o ouviram dos lábios de Maomé. Depois da morte do segundo califa, Umar, Uthman, o terceiro califa, pediu a Hafsa que entregasse o Alcorão para que se fizessem várias cópias em papel para envio aos principais centros do império em expansão. As cópias doAlcorão contribuíram para estandardizar o texto e a recitação e para estabelecer o dialeto padrão da língua arábica. A forma atual do texto doAlcorão é aceite pela maioria dos eruditos como sendo a versão original compilada por Abu Bakr. Deste modo, os manuscritos arábicos do século VII do Alcorão foram preservados até aos nossos dias. Os mais frequentemente citados encontram-se no Museu Hast Imam, em Tashkent, no Museu Topkapi, em Istambul, no Museu do Instituto Oriental, em Chicago, e no Instituto de Estudos Orientais, em São Petersburgo.
Existem, noAlcorão,muitas alusões que confirmam que se trata de uma revelação direta do Deus Todo-Poderoso (Alcorão, 27:6, 32:2, 39:1, 40:2, 41:2, 45:2, 46:2, etc.) OAlcorão revela a vontade divina; a natureza de Deus é apenas revelada na medida em que contém o Seu desígnio moral e legal para a humanidade. OAlcorão implica que, no arábico original, corresponde às palavras literais, diretas e imutáveis de Deus (Mundo de Alá) (Alcorão, 2:75, 9:6, 48:15). Deus fala através do seu porta-voz humano, Maomé, que é muitas vezes interpelado na forma imperativa «Diz». O profeta, como veículo da revelação, transporta as palavras de Deus para o mundo humano. Estas dizem-nos de onde vimos e para onde vamos. Dizem-nos o que acontecerá após a morte. Indicam o caminho do bem que nos conduzirá ao lugar da bem-aventurança eterna. E advertem-nos contra a tomada do caminho do mal que leva ao lugar da condenação eterna. Oferecem um código moral e uma lei sagrada aos indivíduos e à sociedade. Dirigem-se tanto ao coração como à mente. Educam, inspiram, curam; mostram-nos o caminho e dão-nos a energia e a motivação para segui-lo. Quem faz delas o seu guia não poderá transgredire quem ignorar as suas orientações não poderá singrar. OAlcorão foi infalivelmente ditado ao analfabeto Maomé pelo Arcanjo Gabriel; quando concluído, tornou-se a expressão final e definitiva do desígnio moral e espiritual de Deus para toda humanidade, para todo o sempre. Para os muçulmanos, o Alcorão é a autoridade suprema e a fonte principal do credo, rituais, ética e leis islâmicos. É o livro que «distingue» entre o bem e o mal, de forma que, quando os muçulmanos lidam com questões mundanas individuais de culto, como o que é lícito e ilícito, o matrimónio e o divórcio, heranças, etc. ou com questões universais da sociedade, como a globalização, o meio ambiente, o combate ao terrorismo e à droga, questões de ética clínica e o feminismo, é no Alcorão que buscam corroboração para os diferentes argumentos e posições. O supremo estatuto do Alcorão deriva da firme crença de que o Alcorão representa a «Palavra de Deus» e, em termos do seu caráter sagrado, somente Deus prevalece sobre o Alcorão. A sua majestosa autoridade está expressa no versículo: «Se tivéssemos feito descer esteAlcorão sobre uma montanha, tê-lo-ias visto humilhar-se e fender-se por temor a Deus. Apresentamos estas parábolas aos homens para que eles possam refletir.» (Alcorão, 59:21)
A palavra «Alcorão» deriva da raiz arábica que dá origem aos seguintes significados: «ler» (Alcorão, 17:93) ou«recitar» (Alcorão, 75:18). OAlcorão descreve-se a si próprio ainda como «um guia para a humanidade» e «uma clara exposição de orientação», «um diferenciador» (Alcorão, 25:1), «um recordatório» (Alcorão, 20:3), «um curador» e «a exortação» (Alcorão, 10:57), «a luz» (Alcorão, 7:157, 4:174), «a verdade» (Alcorão, 17:81), «uma explicação de todas as coisas» (Alcorão, 16:89, 17:12, 18:54), «fonte de claridade» (Alcorão, 45:20), «uma prova convincente» (Alcorão, 4:174), «boas notícias» (Alcorão, 27:2), «sinais claros de sabedoria» (Alcorão, 10:1, 31:2-3,) e «a corda de Deus» (Alcorão, 3:103). Ao contrário das escrituras judaica e cristã, que foram escritas por pessoas que afirmaram ter sido inspiradas por Deus e foram canonizadas séculos depois de terem surgido, oAlcorão não foi canonizado porque não decorreu tempo desde a sua revelação até se tornar oficial para a comunidade islâmica. Descreve-se a si próprio como a revelação de Deus e apenas foi necessário tempo para que a revelação (oral) se tornasse escritura (codificada). Assim sendo, cada versículo é revelação divina e encontra-se no seu contexto original porquanto nenhum humano (nem mesmo Maomé) alguma vez o alterou ou omitiu ou acrescentou uma única letra.
OAlcorão foi revelado em arábico. O arábico pré-islâmico era uma língua falada, com uma literatura oral de poesia e prosa elaboradas. A escrita ainda não se havia desenvolvido plenamente e a memorização era o meio mais frequente de preservar a literatura. Os árabes no tempo de Maomé possuíam liberdade política, uma condição prévia de integridade linguística. A Bizâncio romana havia desvalorizado a Península Arábica como um deserto estéril e os Sassânidas persas desvalorizavam os árabes como bárbaros que não valia a pena conquistar. A Península Arábica tornou-se na parcela de terra povoada mais isolada do mundo – o recipiente virgem da última revelação de Deus. No tempo da revelação doAlcorão, os árabes eram especialistas na arte da recitação poética. Não é surpreendente que o Alcorão tenha sido revelado no estilo mais eloquente, coerente e elaborado que a língua arábica jamais conheceu. O Alcorão proporcionou inquestionavelmente um nível de excelência linguística sem paralelo com o da poesia árabe e muito além da capacidade humana para o reproduzir (Alcorão, 2:23). OAlcorão tem sido admirado pela sua contenção e graciosidade de estilo, pela sua eloquência e sofisticação. A sua prosa agradável e o seu estilo nobre são instantaneamente reconhecidos como ingredientes do seu sublime encanto. OAlcorão descreve o seu próprio estatuto: Deus revelou «a mais bela mensagem na forma de um livro intrinsecamente consistente e reiterativo.» (Alcorão, 39:23).
OAlcorão contém afirmações profundas e precisas sobre uma grande variedade de assuntos. É extraordinariamente abrangente na sua capacidade para guiar o indivíduo e a sociedade em todos os aspetos da vida. Segundo oAlcorão, o cosmos representa as provas físicas (sinais) da existência de Deus e a revelação constitui a orientação para essas provas. Diz oAlcorão num versículo: «Louvado seja o Senhor que criou os céus e a Terra e ordenou as trevas e a luz…» (Alcorão, 6:1) e num outro versículo: «Louvado seja o Senhor que revelou ao Seu servo (Maomé) o Livro perfeito livre de qualquer imperfeição.» (Alcorão, 18:1) OAlcorão institui leis sobre os deveres práticos e éticos do ser humano e sobre o ordenamento e administração das sociedades. Prevê rigorosamente o futuro. Narra belas histórias do passado. Relata verdades científicas até então desconhecidas do homem. OAlcorão tem permanecido totalmente uniforme, durante mais de 1400 anos, sem quaisquer variações, defeitos ou contradições. A consistência das ideias e das afirmações noAlcorão significam que é na verdade a «Palavra de Deus». Qualquer pessoa que reflita sobre o contexto e o sentido dos versículos doAlcorão concluirá, graças à qualidade e pureza da sua dicção, que se trata de uma excelente obra literária que só podia ter sido produzida pelo Deus Todo-Poderoso, o Criador e Sustentador do universo inteiro. O Todo-Poderoso assegura-nos igualmente que é de Sua autoria, porquanto um ser humano não poderia ter criado um livro semelhante; não existe qualquer contradição nele e é protegido pelo Próprio Deus (Alcorão, 2:2-3, 4:82, 18:1, 15:9, 56:77-78).
OAlcorão descreve o seu conteúdo como uma «exposição de tudo, uma orientação, uma bênção e boas notícias para aqueles que se submetem» (Alcorão, 16:89) e declara que «não negligenciamos uma única coisa no Livro» (Alcorão, 6:38). OAlcorão coloca uma ênfase extraordinária no vínculo entre a «fé» e a «prática». A frase: «aqueles que têm fé e agem com retidão» ocorre noAlcorão 36 vezes. OAlcorão também fala repetidamente sobre a responsabilização final dos seres humanos perante Deus e insiste que tudo na vida e nas suas manifestações, tendo tido origem em Deus, estão na realidade em contínua reversão para Ele. «Em verdade (viemos) de Alá e a Ele regressaremos.» (Alcorão, 2:156, 3:109) OAlcorão explica que os seres humanos são colocados na «dunya» (a terra) por um período predeterminado que só Ele conhece (Alcorão, 6:2) antes de entrarem no «akhirah» (o Além). «Um termo foi fixado para todas as pessoas: quando o seu termo chega, elas não podem retardá-lo nem avançá-lo.» (Alcorão, 10:49) Cada um dos termos «dunya»e «akhirah» são repetidos 115 vezes e estão relacionados com o tempo e o espaço e com duas alternativas morais. OAlcorãoapresenta a «dunya» como o espaço geográfico em que a humanidade pode preparar-se para o «akhirah»; no entanto, esta moradia de preparação é facilitada desde que Lhe roguemos que nos ajude, conforme indica oAlcorão. «E prescreve-nos o bem neste mundo (dunya) assim como no Além (akhirah)…» (Alcorão, 7:156)
Grande parte doAlcorão compreende prosa rimada consistindo em curtas secções dos pronunciamentos ligadas através de uma rima. Está igualmente repleto de narrativas e comparações. Muitas das narrativas do Alcorãosão em estilo alusivo e assumem que os ouvintes têm algum conhecimento prévio da história ou da alegoria. A mais longa destas narrativas é a do capítulo 12 sobre José, que cobre o relato do seu sonho ao pai, o abandono pelos irmãos, a sua prisão, a sua entrada na corte do rei, a sua ascensão ao poder e, finalmente, a reconciliação com a sua família. Muitas vezes os protagonistas destas narrativas falam em discurso direto. No capítulo 20, que versa o encontro de Moisés com Faraó, é dedicado mais espaço ao discurso direto das pessoas referidas do que às narrativas.Quanto às comparações, estas são frequentemente simples, mas eficazes e acutilantes. Exemplo: «Então, depois disso, os vossos corações endureceram, tornando-se como pedras ou ainda mais duros. Porque, em verdade, existem pedras de onde brotam rios e outras há que se fendem e delas sai água e outras que caem por temor a Alá. E Alá não está desatento àquilo que fazeis.» (Alcorão, 2:74) Um outro exemplo: «Aqueles que despendem a sua riqueza na senda de Alá assemelham-se a uma semente [de grão] de onde nascem sete espigas: cada espiga contém uma centena de grãos. E Alá multiplica [a Sua recompensa] a quem deseja...» (Alcorão, 2:261) Num outro versículo: «O exemplo daqueles que tomam aliados que não Alá é como o da aranha que encontra uma casa. E, em verdade, a mais frágil das casas é a casa da aranha, se ao menos eles soubessem.» (Alcorão, 29:41)
OAlcorão compreende 114 capítulos (suras), divididos em versículos (ayahs). A palavra «ayah» significa literalmente «sinal», o que faz doAlcorão «o livro dos sinais». Por outras palavras, oAlcorão descreve sinais da existência de Deus no universo e como tudo se enquadra no esquema geral da criação. Cada capítulo tem um nome derivado de uma palavra distintiva que surge normalmente no texto e se relaciona com a temática tratada no capítulo. A extensão dos capítulos varia e o Alcorão não está estruturado nem cronológica nem tematicamente.
O tema principal doAlcorão é o Monoteísmo que significa a crença firme de que não existe ninguém que mereça ser adorado exceto Deus (Alá), o único Deus que é o Criador, o Sustentador do universo inteiro e de tudo para além deste. Em seguida, a crença de que o Profeta Maomé é um Mensageiro de Deus cujos ensinamentos devem ser seguidos e adotados. A maior parte da mensagem corânica contém exortações relativas à conduta reta e às consequências de segui-las ou de ignorá-las. Estas exortações estão enquadradas no contexto da omnipresença de Deus e da responsabilidade final da humanidade perante Ele. OAlcorão considera o ser humano como portador do espírito de Deus e Seu sagrado depositário e que o ser humano está num estado permanente de viagem em direção a Ele. Este estado de regresso a Deus exige uma luta de preparação incessante para esse encontro através do desenvolvimento de boas qualidades.
A obrigação mais importante que o Alcorão impõe ao crente é a de procurar agradar a Deus e de desejar a suprema bem-aventurança no paraíso. «… E da humanidade são aqueles que se venderiam de bom grado a fim de agradar a Deus, e Deus é infinitamente compassivo para com os Seus servos.» (Alcorão, 92:19) «E (os justos não esperam) favor de ninguém de quem uma recompensa é esperada em troca, mas unicamente pela busca do semblante do seu sustentador, o Senhor, o Excelso.» (Alcorão, 92:20) Obtém-se o agrado de Deus cultivando uma relação direta de amor e adoração a Deus, bem como vivendo uma vida caracterizada pela luta para obedecer aos Seus mandamentos.
OAlcorão diz-nos que Deus, Ele Próprio possuidor de beleza,é «a luz dos céus e da Terra» (Alcorão, 24:35). É igualmente «aquele que dá excelência a tudo aquilo que cria» (Alcorão, 32:7). Criou a humanidade segundo «o melhor dos padrões» (Alcorão, 40:64) e tudo quanto está na Terra foi também posto aqui como uma fonte de beleza. Tudo isto tem por fim enriquecer e embelezar a vida do crente quando este reconhece a beleza de Deus, como afirmou o Profeta Maomé: «Deus é Belo e ama a beleza.» Assim, os muçulmanos devem evitar tudo o que seja nocivo ao sentido de bem-estar – espiritual, emocional ou físico. «E não destruais pela vossa ação» (Alcorão, 2:190). As proibições do consumo de álcool e de qualquer substância intoxicante (Alcorão, 5:90-91) e do consumo de carne de porco (Alcorão, 2:173) são bons exemplos. Outros exemplos: «Ó humanidade! Comei do que é lícito e puro na Terra e não sigais os passos de Satanás. Em verdade, ele é para vós um inimigo declarado.» (Alcorão, 2:168) e«Comei as boas coisas que providenciámos para vosso sustento» (Alcorão, 20:81). OAlcorão adverte contra o consumo excessivo e perdulário, mas incentiva um sentido de alegria de viver e pede aos crentes que não imponham a si mesmos fardos injustificados. «Ó crentes! Não torneis ilícitas as Taiyibat (tudo o que é bom no que respeita aos alimentos, objetos, ações, crenças, pessoas, etc.) que Alá tornou lícitas para vós e não transgridais. Em verdade, Alá abomina os transgressores.» (Alcorão, 5:87). Outras dimensões deste sentido de bem-estar pessoal noAlcorão estão relacionadas com a higiene espiritual e física. “…Em verdade, Alá ama aqueles que se arrependem e ama aqueles que se purificam (tomando banho, limpando e lavando completamente as suas partes privadas e o seu corpo, para as orações, etc.)» (Alcorão, 2:222) «E entre os Seus Sinais Ele criou de vós para vós esposas para que vivais em tranquilidade com elas e pôs entre vós afeto e misericórdia. Em verdade estão aí sinais para as pessoas que refletem.» (Alcorão, 30:21).
OAlcorão atribui um grande valor ao conhecimento e à sua busca (Alcorão, 39:9). Associa o bem-estar intelectual das pessoas a uma profunda consciência de Deus e da justiça e sublinha a compatibilidade do conhecimento com a fé. «De todos os Seus servos, somente aqueles que temem (verdadeiramente) a Deus são dotados de conhecimento.» (Alcorão, 35:28). «Deus apenas elevará às mais altas esferas aqueles de entre vós que têm fé e aqueles que têm conhecimento.» (Alcorão, 58:11). Os muçulmanos são igualmente instados a suplicar: «Ó meu Sustentador, faz com que o meu conhecimento aumente» (Alcorão, 20:114) e considera-se que a posse de conhecimento conduz à justiça (Alcorão, 3:18). Em inúmeros versículos, a humanidade é desafiada a pensar, refletir, ponderar e meditar. «Os possuidores de conhecimento são iguais aos que não o possuem? Somente os possuidores de entendimento têm consciência» (Alcorão, 39:9).
OAlcorão contém um grande conjunto de ordens relativas ao bem-estar moral das pessoas e da sociedade. Reconhece que, no coração da sociedade moral, se encontra algo que excede os direitos e as obrigações legais: daí o conceito de generosidade e caridade. Os crentes são assim continuamente encorajados a transcender o mínimo exigido,através da solidariedade com os outros. É uma obrigação dos ricos ajudar os necessitados, os pobres, os destituídos e os órfãos.
Na consciência da omnipresença de Deus e do inevitável ajuste de contas, o Alcorão ordena às pessoas que sejam verdadeiras em pensamentos, palavras e atos (Alcorão, 33:70-71). As noções pós-modernistas de «área cinzenta» enquanto valor não têm lugar no Alcorão, que começa com a premissa de que existe uma «Verdade» absoluta, única e suscetível de ser conhecida. OAlcorão fala da «luz» (an-Nur) no singulare das «trevas» (al-Dhulumat) no plural, indicando que só existe uma verdade mas muitas falsidades. Os crentes são convocados a defender o espírito da verdade, favorecendo a companhia de outras pessoas verdadeiras (Alcorão, 9:119),e a falar verdade perante a falsidade. É proibido esconder a verdade, tal como deturpá-la com falsidade (Alcorão, 2:42). A hipocrisia é condenada nos termos mais veementes e os crentes são ordenados a assegurar que os seus atos correspondam às suas palavras. «Ó vós que credes, porque dizeis aquilo que não fazeis?É uma grande abominação aos olhos de Deus dizer aquilo que não se faz.» (Alcorão, 61:2-3).
Não obstante o requisito corânico de que os crentes perturbem a paz quando esta esconde os demónios da injustiça e da opressão, oAlcorão insta os crentes a que vivam vidas desprovidas de disputa inútil e querelas. «Os (fiéis) servidores do Beneficente são aqueles que caminham humildemente na terra e que, quando os ignorantes os interpelam, respondem ‘Paz’ (evitando assim qualquer querela com eles)» (Alcorão, 25:63). «E afasta-te dos que decidem continuar ignorantes» (Alcorão, 7:199). A disputa enraizada na cólera é inaceitável. O Alcorão diz sobre as qualidades dos justos: «Aqueles que despendem (daquilo que Alá lhes deu) na fortuna e na adversidade, aqueles que controlam a sua ira e perdoam aos seus semelhantes; Alá ama as (pessoas) generosas.» (Alcorão, 3:134).
OAlcorão usa a palavra «sabr» com bastante frequência para indicar perseverança, paciência e firmeza. «Ó crentes, sede pacientes na adversidade e incitai-vos mutuamente à perseverança, permanecei preparados e conscientes de Deus para que alcanceis o sucesso» (Alcorão, 3:200). Num outro versículo: «aqueles que são firmes e resistentes em períodos de adversidade» são referidos como aqueles que são verdadeiros (na sua fé) e «verdadeiramente retos» (Alcorão, 2:177). Esta persistência deve ser exercida tanto perante desafios de natureza físicacomo perante ataques verbais. Os bons muçulmanos defendem a verdade e a justiça «e não temem as censuras daqueles que encontram defeitos.» (Alcorão, 5:54).
O Islão encoraja os ganhos lícitos e o dispêndio lícito da riqueza. «Aqueles que despendem a sua riqueza na senda de Alá assemelham-se a uma semente de onde nascem sete espigas: cada espiga contém uma centena de grãos. E Alá multiplica a Sua recompensa a quem deseja. Deus é Imenso e Omnisciente.» (Alcorão, 2:261). O Alcorão louva ainda aqueles que ajudam os necessitados: «Aqueles que despendem a sua riqueza de noite e de dia, em segredo e abertamente, em verdade a sua recompensa está com o seu Senhor e nada terão a temer nem serão afligidos» (Alcorão, 2:274). No entanto, oAlcorão é igualmente desdenhoso daqueles que são apegados à sua riqueza para além do necessário à subsistência diária. Tal apego distrai as pessoas do trilhar do caminho que conduz a Deus,dotando-as de um sentido enganoso de eternidade neste mundo. «O desejo de abundância e incremento (de riqueza, estatuto e outros bens terrenos) distrai-vos até visitardes os vossos túmulos.» (Alcorão, 102:1-2).«Desgraçados os caluniadores e difamadores que arrecadam fortunas e as contam, pensando que a riqueza os imortalizará! De modo nenhum! Serão certamente lançados naquilo que desfaz em pedaços (inferno)» (Alcorão, 104:1-4). A noção de obtenção do sustento por meioslícitos é fundamental na abordagem do Alcorão à riqueza. Os muçulmanos estão proibidos de se envolverem em despesas perdulárias e ostentosas. (Alcorão, 17:26-27) OAlcorão especifica um conjunto de métodos ilícitos de aquisição de dinheiro e bens que devem ser denunciados. Estes incluem sacerdotes e monges que devoram os bens das pessoas (Alcorão, 9:34), o jogo (Alcorão, 5:90) e o furto (Alcorão, 60:12). OAlcorão fala ainda dos perpetradores de desonestidade, como aqueles que devoram injustamente a riqueza dos órfãos e, tendo diminuídoem humanidade, serão consumidos pelo fogo (Alcorão, 4:10).
OAlcorão rejeita todas as formas de imodéstia sexual: «E diz aos homens crentes que devem baixar o olhar e guardar a sua castidade; será mais puro para eles. E Deus conhece bem tudo o que fazem. E diz às mulheres crentes que devem baixar o olhar e guardar a sua castidade» (Alcorão, 24:30-31). OAlcorão fala em termos positivos da realização sexual dentro da relação matrimonial entre o homem e a mulher. Diz oAlcorão: «E que aqueles que não possuem os meios para se casarem permaneçam castos até que Deus lhes proporcione meios pela Sua graça…» (Alcorão, 24:33). Outras formas de realização sexual entre duas pessoas (fora do casamento) são consideradas adultério, um ato condenável. «E não vos aproximeis do adultério pois é vergonhoso e condenável, abrindo caminho (a outros males)» (Alcorão, 17:32).
OAlcorão defende uma sociedade baseada na honestidade, na moralidade, na generosidade, na justiça e na equidade. Assume a posição de que toda a humanidade possui direitos socioeconómicos intrínsecos e responsabilidades concomitantes, incluindo as responsabilidades de lutar por esses direitos e de defendê-los.
Toda a vida humana é sagrada porque «em verdade, Nós (Deus) honrámos os Filhos de Adão» (Alcorão, 17:70) e ninguém está autorizado a tirar a vida de outrem, exceto com toda a justiça. Diz: «Vinde, recitarei o que Alá (realmente) vos proibiu. Nada Lhe associeis; sede bons para com os vossos pais; não mateis os vossos filhos por razão de pobreza; Nós providenciamos ao vosso sustento e ao sustento deles; não pratiqueis ações vergonhosas, quer abertamente, quer em segredo; não mateis senão com toda a justiça e dentro da lei o que Alá fez sagrado: eis o que Ele vos ordena para que possais compreender.» (Alcorão, 6:151). Esta passagem é normalmente interpretada como significando o homicídio em autodefesa ou em retaliação, após a condução de um processo legal justo dentro de um sistema social equitativo. É dado realce à diminuição da humanidade através do homicídio de uma só pessoa. «… se alguém matar uma pessoa, a não ser que seja culpada de assassínio ou de espalhar o mal pela terra – será como se matasse toda a humanidade; e se alguém salvar uma vida, será como se salvasse a vida de toda a humanidade.» (Alcorão, 5:32). Esta passagem refere-se mais concretamente ao infanticídio de meninas, tal como era praticado na Arábia pré-islâmica (Alcorão, 81: 8-9). OAlcorão sanciona a retaliação em caso de homicídio. Contudo, sublinha que tal deve ser feito de forma justa (Alcorão, 2:178).
O furto declarado é condenado (Alcorão, 60:12), bem como outras formas mais dissimuladas de privar os outros dos seus bens, como, por exemplo, o conluio para privar alguém da sua herança, não restituir bens confiados à guarda de alguém (Alcorão, 4:58) ou enganar na pesagem de artigos para venda (Alcorão, 17:35). O Alcorão é veemente na denúncia da usura (Alcorão, 2:275-276).
OAlcorão condena a ganância e aquilo que é normalmente considerado como «açambarcamento» e arrecadação de riqueza ou «poupanças» (Alcorão, 9:34-35). Aqueles que não enfermam de ganância são encarados como os «bem-sucedidos». OAlcorão considera que a riqueza é uma dádiva de Deus e o produto do labor das pessoas ou da sua exploração do trabalho de outros. «Ó vós que credes, despendei das boas coisas que ganhastes licitamente e das colheitas que Nós fizemos brotar da terra para vós.» (Alcorão, 2:267). As pessoas apenas têm direito àquilo que ganharam. «E a humanidade nada mais terá para além daquilo que ganhou» (Alcorão, 53:39-40). Noutra passagem, diz oAlcorão: «E não cobiceis aquilo que Deus atribuiu a alguns de vós mais do que a outros. Para os homens é uma parte do que adquiriram e para as mulheres é uma parte do que adquiriram. E rogai a Deus a Sua generosidade. Em verdade, Deus é sempre Omnisciente de todas as coisas.» (Alcorão, 4:32). No entanto, é esperado daqueles que são contemplados com a generosidade de Deus que despendam toda a sua riqueza supérflua. «E interrogam-te sobre o que devem gastar. Diz: ‘Tudo o que excede as vossas necessidades'.» (Alcorão, 2:219). Em contraste com aqueles que arrecadam: «Aqueles que despendem a sua riqueza de noite e de dia, em segredo e abertamente, em verdade a sua recompensa está com o seu Senhor e nada terão a temer nem serão afligidos.» (Alcorão, 2:274). OAlcorão assume a posição de que «na posse da riqueza existe um direito que incumbe aos pobres» (Alcorão, 51:19, 70:24-25). Atribui um grande valor às doações para além do imposto sobre a riqueza estipulado (zakah). Estas doações purificam a alma e devem incluir aquilo a que a pessoa se sente realmente apegada. «Jamais alcançareis a piedade a não ser que despendais daquilo a que tendes apego.» (Alcorão, 3:92).
OAlcorão assume a posição de que todos são iguais aos olhos de Deus e da lei. Nenhum ser humano tem qualquer superioridade intrínseca sobre outro com base na sua linhagem ou raça.OAlcorão estabeleceu uma norma que serve de base à compreensão contemporânea da igualdade social. Um dos seus versículos diz: «Ó homens! Temei ao vosso Senhor que vos criou de um único ser. E deste criou a sua esposa e dos dois espalhou inúmeros homens e mulheres (por toda a Terra). Temei a Deus, em cujo nome apelais uns aos outros, e atendei às vossas obrigações respeitantes aos laços de sangue. Deus está sempre vigilante ao que fazeis.»(Alcorão, 4:1) Numa outra passagem, diz: «Ó homens! Criámos-vos a partir de um homem e de uma mulher e fizemos de vós nações e tribos para que possais conhecer-vos uns aos outros. O mais nobre de entre vós, aos olhos de Deus, é (aquele que) mais teme a Deus.Deus é Omnisciente e Grande Conhecedor (de todas as coisas)» (Alcorão, 49:13). O conceito de piedade como o único critério de merecimento aos olhos de Deus tem sido um instrumento de união particularmente poderoso para a igualdade social e o ativismo de género no Islão.
É atribuída à justiçauma tão elevada proeminência noAlcorão que é considerada como uma das razões por que Deus criou a Terra: «Deus criou os céus e a Terra com fins justos e para que cada alma possa encontrar a recompensa do que conquistou e para que nenhuma seja injustiçada» (Alcorão, 45:22). A justiça é um dos atributos de Deus e Ele assegura repetidamente à Sua criação que nunca a tratará injustamente nem pelo peso de um átomo (Alcorão, 4:40, 10:44). Muitas das ordens do Alcorão emanam de uma preocupação de justiça tanto para com o perpetrador como para com a vítima (Alcorão, 5:45, 16:126). As exigências que oAlcorão impõe aos indivíduos para que defendam a justiça são extraordinárias e transcendem todos os vínculos sociais. Embora a justiça seja algo que as pessoas exigem para si mesmas, o mais importante é que é algo que se deve praticar relativamente aos outros, seja a que custo for para a pessoa e para a sua comunidade.
Constitui um grande milagre que os seguintes factos científicos, que nunca poderiam ter sido descobertos sem a tecnologia do século XX, tivessem sido explicitamente enunciados no Alcorão há mais de 1400 anos. A TERRA EM FORMA DE OVO – “E depois disso Ele fez a Terra em forma de ovo.» (Tradução literal: ovo de avestruz) (Alcorão, 79:30); EMBRIOLOGIA – «Ó povo! Se tendes alguma dúvida sobre a ressurreição, (lembrai-vos) que vos criámos do pó e, subsequentemente, de uma pequena gota que se transforma num (embrião) suspenso, e se torna em seguida num feto que recebe vida ou é julgado inanimado. Deste modo, clarificamos as coisas para vós. Colocamos nos úteros aquilo que queremos por um período predeterminado. Depois fazemos-vos sair como bebés e depois vós atingis a maturidade. Embora alguns de vós morram, outros vivem até idade avançada para descobrirem que não é possível alcançar mais conhecimento para além de um certo limite. Olhais também para uma terra que está morta, mas assim que a regamos com água, ela vibra com vida e dela brotam todos os tipos de belas plantas.» (Alcorão, 22:5) «Subsequentemente, reproduzimo-lo de uma pequena gota que é colocada num recetáculo bem protegido.» (Alcorão, 23:13). «Em seguida, desenvolvemos a gota num (embrião) suspenso e desenvolvemos o (embrião) suspenso num (feto) minúsculo, e depois do (feto) minúsculo criámos os ossos e depois cobrimos os ossos com carne. Produzimos assim uma nova criatura. Bendito seja Alá, o melhor Criador.» (Alcorão, 23:14); RECETORES DA DOR NA PELE - «Aqueles que rejeitam os nossos sinais, em breve os lançaremos no fogo; sempre que a sua pele tiver sido consumida, dar-lhes-emos uma nova pele para que possam provar o castigo: porque Alá é Excelso, Poderoso e Sábio.» (Alcorão, 4:56); BARREIRAS DE ÁGUA (RIOS SEPARADOS DE OCEANOS) - «E é Ele quem dá livre curso aos dois corpos de água corrente: um agradável e doce e o outro salgado e amargo; e no entanto fez entre os dois uma barreira e uma divisão que é proibido atravessar.»(Alcorão, 25:53); ÓRBITAS DAS ESTRELAS E DOS PLANETAS - «Foi Ele quem criou a noite e o dia e o sol e a lua.Estes vogam, cada um numa órbita.» (Alcorão, 21:33). «Foi Ele quem criou a noite e o dia e o sol e a lua: todos (os corpos celestiais) vogam, cada um na sua rota circular.»(Alcorão, 21:33). «Ele sujeitou o sol e a lua, cada um seguindo (o seu curso) durante um tempo fixo.»(Alcorão, 13:2).«O Sol não pode apanhar a Lua, nem a Noite pode adiantar-se ao Dia: cada um (apenas) voga na (sua própria) órbita (de acordo com a Lei).» (Alcorão, 36:40) «O sol e a lua seguem cursos rigorosamente calculados» (Alcorão, 55:5) Note-se que só há algumas décadas é que a ciência descobriu que o sol se move.